Vivemos na era da informação em que tudo acontece de maneira instantânea. Essa hiperconectividade, caracterizada por robôs inteligentes, integração de sistemas e big data, está presente no nosso dia a dia, na indústria, no modo como nos relacionamos com as pessoas e se fixa, cada vez mais, nas salas de aula.
A chamada educação 4.0, amplia as oportunidades de aprendizagem dos alunos, antes restrita apenas a livros e bibliotecas físicas, proporcionando um acesso ilimitado à informação e a novas culturas.
Entretanto, o ensino online também levanta pontos de alerta, como: exposição excessiva às telas, datificação da infância, criação de bolhas de interesse, e a proteção de dados de crianças e adolescentes.
Visto que a presença da tecnologia na educação será cada vez mais frequente, que medidas as escolas e os familiares podem tomar a fim de orientar as crianças e oferecer maior segurança?
O que a LGPD diz sobre a proteção de dados de crianças
Sancionada em 2018 pelo governo Temer, a Lei de Proteção de Dados Pessoais, mais conhecida como LGPD, tem como objetivo estabelecer regras sobre coleta, armazenamento, tratamento e compartilhamento de dados pessoais na internet.
A internet chegou em solo brasileiro na década de 1980, entretanto, o debate sobre a atuação de empresas e organizações com relação aos dados dos usuários no meio virtual passou a ganhar maior destaque nos últimos anos.
Baseada no regulamento europeu GDPR (General Data Protection Regulation), a LGPD surge, então, com a finalidade de proporcionar maior segurança às pessoas e também de penalizar as instituições que não cumprirem com as normas contidas no documento.
A lei também joga luz ao direito fundamental das crianças e adolescentes. Dentre as regras previstas no artigo 14 da LGPD estão, o consentimento dos responsáveis legais com relação ao tratamento de dados de menores, bem como o uso de uma linguagem adequada ao entendimento das crianças acerca das informações que serão coletadas.
Tais medidas, em conjunto com o Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código Penal Brasileiro, têm como objetivo a proteção de dados de crianças no meio digital.
Proteção de dados de crianças e adolescentes na educação online
Em março de 2020, as escolas brasileiras tiveram que fechar suas portas em decorrência da pandemia causada pelo novo coronavírus. A passos rápidos, grande parte das instituições de ensino e secretarias de Educação tiveram que sair à procura de ferramentas e plataformas, a fim de se adaptar a uma nova realidade e dar sequência ao aprendizado.
Mas, será que a escolha dessas tecnologias estão adequadas ao melhor interesse da criança?
Uma pesquisa feita pela Educação Vigiada, iniciativa que visa alertar sobre o uso de softwares na educação brasileira, revelou que 75,6% das Secretarias de Educação Estaduais utilizam algum software desenvolvido por empresas GAFAM (Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft).
À primeira vista os serviços oferecidos por essas empresas são "gratuitos", mas em muitos casos, a contrapartida se dá através da coleta, do tratamento, da utilização e da comercialização de dados comportamentais de seus usuários.
Dentre essas informações estão vídeos, fotos, voz, rendimento escolar e até opiniões expostas durante aulas e lições de casa que são adicionadas às plataformas. Tal cenário intensifica a datificação da infância - a visão de que crianças e adolescentes são um conjunto de dados que pode ser explorado.
Mesmo com a implementação da Lei de Proteção de Dados Pessoais, é preciso que as escolas se certifiquem dos possíveis riscos à privacidade de seus estudantes ao realizar a escolha da plataforma que será utilizada no ensino híbrido. Dito isso, é fundamental que os familiares participem deste processo de decisão, entendendo os prós e contras dos programas e tendo a possibilidade de optar por formas alternativas de ensino-aprendizagem caso não se sintam confortáveis.
Educação aberta como alternativa para proteção de dados de crianças
Para fornecer maior segurança e privacidade aos estudantes e aos professores, os colégios e as secretarias de Educação podem priorizar o uso de recursos educacionais abertos. Em outras palavras, por plataformas de comunicação baseadas em software livres, cujo modelo de negócio não seja baseado na coleta, tratamento e venda de dados. Atualmente, existem diversos programas disponíveis, como o MOODLE, Diáspora, Jitsi e o Freenode.
A advogada Tatiana Ozaki, especializada em Direito Digital, aconselha que as crianças e os responsáveis forneçam apenas os dados minimamente necessários para a utilização dos serviços.
“É necessário haver um controle de acesso e, para isso, alguns dados pessoais podem ser exigidos, mas desde que sejam pertinentes a esse acesso”, alerta a Ozaki. “Seria totalmente descabido a escola pedir para a criança informar qual a sua religião ou a profissão do seu pai, por exemplo, para ter acesso à sala de aula virtual.”
Educação digital como ferramenta de conscientização
A especialista explica que a LGPD é relativamente nova no Brasil e que o país ainda está engatinhando no que diz respeito à cultura digital. Sendo assim, é necessário que o governo, em conjunto com os familiares e as escolas, realizem projetos voltados à educação digital, a fim de fornecer maior proteção e segurança às crianças.
“É importante desenvolver a consciência das crianças e dos adolescentes para que tenham comportamentos mais seguros, compreendendo, por exemplo, que, uma vez lançado um conteúdo em rede, dificilmente ele será apagado ou esquecido, já que a informação, na internet, se propaga instantaneamente”, explica Ozaki.
Leia também:
+ Metodologias ativas: veja 6 exemplos e confira seus benefícios
As instituições de ensino precisam também fazer parte deste processo, se adequando às regras previstas na Lei de Proteção de Dados Pessoais e optando por tecnologias que forneçam maior privacidade aos seus funcionários e estudantes.
Ozaki ressalta que a educação digital pode tornar a relação dos adolescentes com as tecnologias mais saudável, além de potencializar o processo de aprendizado dos estudantes. Para isso, algumas medidas devem ser tomadas, como:
Verificação de fontes de informação;
Discernimento entre notícias falsas e verdadeiras;
Pesquisa por diferentes canais confiáveis de comunicação, a fim de evitar bolhas de interesses;
Ensinar sobre o uso correto das tecnologias, alertando para as possíveis consequências da nomofobia (dependência digital) e da privação do contato social.
Outro ponto importante, é a divulgação de informações pessoais e o relacionamento com estranhos no ambiente virtual. Em 2018, um levantamento realizado pela SaferNet - associação que atua no combate aos crimes virtuais e violação dos Direitos Humanos na internet - revelou que 44,9% das queixas de delitos cometidos foram relacionados a pornografia infantil.
Plataformas gratuitas que promovem a educação digital
A advogada adiciona que existem diversos materiais gratuitos disponíveis para auxiliar as famílias com relação ao uso seguro da internet, a fim de proporcionar maior proteção de dados de crianças e adolescentes. Confira:
Cartilha de Segurança para Internet
Neste site é possível encontrar diversas cartilhas de segurança para internet, com orientações sobre privacidade, uso de computadores e segurança em dispositivos móveis.
Internet Segura BR
Através de dicas e brincadeiras, o site promove a educação digital para crianças entre 08 e 12 anos de idade de maneira lúdica e de fácil compreensão.
Em uma sociedade em que o digital está presente em todas as esferas da vida, querer dissociar a tecnologia da educação, é impossível. Entretanto, cabe as escolas, ao governo e as famílias garantir a privacidade e segurança das crianças e dos adolescentes a fim de proporcionar uma educação integral, que incentive a autonomia e o pensamento crítico.