Atualmente, o mundo enfrenta a pandemia de Covid-19. No Brasil, já são milhares de casos e centenas de mortos do novo coronavírus. As autoridades de saúde e institutos de pesquisas correm contra o tempo para desenvolver uma vacina ou medicamento contra a doença.
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Enquanto isso, uma das medidas sanitárias de combate à Covid-19 é o isolamento social. A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem recomendado a reclusão de todas as pessoas, não só dos grupos de risco, como forma de impedir o colapso dos sistemas de saúde dos países e, consequentemente, milhares de mortes.
Nos anos 1990, o governo brasileiro também precisou recorrer à ciência e às medidas sanitárias para conter o surto de varíola no país. Entretanto, as ações de combate da época culminaram em um dos episódios mais célebres da história da saúde pública brasileira: a Revolta da Vacina.
Ela foi um movimento popular que aconteceu no Rio de Janeiro, a então capital do país, em 1904, durante a Primeira República. Seu estopim foi a obrigatoriedade da vacina anti-varíola.
Resistência à quarentena
A atual pandemia da Covid-19 relembra o desafio de lidar socialmente com o surto de varíola no passado. Apesar do maior acesso à informação, ainda há muita resistência da população em se manter em casa durante a quarentena.
Pelo fato de a Covid-19 ter sintomas muito parecidos com a gripe e poder ser até assintomática em alguns casos, muitas pessoas não acreditam em sua gravidade e na necessidade de isolamento social.
No último dia 30, houve até algumas manifestações pelo Brasil contra o isolamento social com o slogan “O Brasil não pode parar”, mesma frase de uma campanha publicitária lançada pelo próprio governo federal. A campanha federal e as manifestações em diversas cidades foram proibidas pela justiça.
Para o médico Eliseu Alves Waldman, professor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), a resistência à quarentena não pode ser comparada à Revolta da Vacina, pois são contextos muito diferentes.
“[A revolta] tinha como pano de fundo, a reforma urbana do Rio de Janeiro que expulsou das áreas centrais os segmentos mais pobres da população carioca. Enquanto que, as medidas de distanciamento social impostas, no momento, determina uma perda imediata de renda para o segmento da população que trabalha como autônomo e sem vínculo empregatício”, explica Eliseu.
Na opinião do médico, a resistência ao isolamento social se dá pelo impacto dessa medida na economia. “Mas temos que escolher entre ele e o aumento expressivo da mortalidade”, alerta. Eliseu ainda destaca que é imprescindível que o governo assuma temporariamente o sustento dos trabalhadores prejudicados pela quarentena.
Entre os motivos para a resistência, o médico também aponta uma questão ideológica, pois a medida aumenta fortemente o papel do estado na sociedade.
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O que foi a Revolta da Vacina?
O estopim da Revolta da Vacina foi a lei da vacinação obrigatória, mas o episódio tinha um contexto político, social e econômico mais complexo. Nos primeiros anos da República, o governo objetivava inserir o Brasil na nova lógica capitalista e burguesa do mundo e fez uma série de cortes de gastos para recuperar a situação econômica do país.
Entretanto, as medidas não garantiram melhorias na vida da maior parte das pessoas no país, levando milhares de pessoas, principalmente pobres e negras, ao desemprego e à miséria, o que gerou diversos movimentos revoltosos.
Além disso, como forma de modernizar a antiga capital e atrair investidores, a prefeitura do Rio de Janeiro ordenou a demolição de inúmeras moradias populares e cortiços da cidade, provocando o deslocamento de grande parte da população para áreas periféricas.
Lei da vacinação obrigatória
Uma das medidas de modernização da capital era acabar com as doenças que assolavam a população, como a varíola e a febre amarela. Neste sentido, foi criada uma campanha sanitarista desenvolvida pelo médico Oswaldo Cruz e aprovada a Lei de Vacinação Obrigatória.
A lei tornou a vacina obrigatória para toda população, mas não esclareceu a ninguém o que era a campanha sanitarista, quais eram os seus objetivos e, muito menos, o que continham as vacinas que eram injetadas nas pessoas.
Na aplicação da lei, agentes sanitários literalmente invadiam as casas do povo, injetando a vacina, muitas vezes, contra a vontade das pessoas. Além de não entender o que eram as vacinas, numa época de costumes conservadores, as pessoas consideravam imoral o ato de mostrar o braço para os sanitaristas.
Os comprovantes de vacinação passaram a ser exigidos para matricular os filhos na escola e até para conseguir emprego e os pobres eram considerados culpados pelo surto de varíola.
Somadas ao desemprego, à miséria e aos despejos, a vacinação obrigatória foi a gota d’água para a população periférica do Rio de Janeiro e o estopim para a Revolta da Vacina. Durante cinco dias, a população enfrentou as tropas do governo. A forte repressão aos envolvidos pôs fim à revolta, mas a população conseguiu que a lei fosse revogada. O saldo final foi de 30 mortos, 110 feridos e mais de mil pessoas presas ou deportadas para o estado do Acre.
Movimento antivacinação
A varíola é considerada, pela Fiocruz, a doença infecciosa que mais causou mortes na história da Humanidade. Graças à vacina, a doença é tida como erradicada pelo OMS desde 1980. Com o surgimento de programas de vacinação no Brasil, na década de 1970, e melhora no saneamento básico, diversas doenças como poliomielite, difteria, tuberculose, sarampo, meningite, hepatites também podem ser combatidas.
Apesar da eficácia das vacinas, a resistência à vacinação entrou na lista de dez ameaças à saúde global da OMS em 2019 e preocupa as autoridades. A imunização ocorre pelo efeito rebanho: quanto mais pessoas imunes, menor o risco da doença se propagar. O chamado “movimento antivacina” contribui com a queda das taxas de vacinação e a volta de doenças já erradicadas, como o sarampo.
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