Segundo um estudo desenvolvido em 2013 pelo Ministério da Educação (MEC), a Organização dos Estados Ibero Americanos (OEI) e a Faculdade Latino-Americana de Ciências (Flacso), 18,1% das meninas de 15 a 29 anos deixaram de estudar devido a uma gravidez inesperada. Para os homens, esse motivo equivale a apenas 1,3% dos entrevistados
Infelizmente, não há nenhuma pesquisa ou dado que mostre como é esta situação no Ensino Superior, porém, não é muito difícil de imaginar que essa situação se repita. Segundo o Censo do Ensino Superior, há alguns anos que as mulheres são maioria na universidade, apenas em 2016 elas representaram 55,49% dos ingressantes.
Apesar dos milhares de ingressantes no Ensino Superior, isso é uma conquista de poucos brasileiros. Um estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostrou que apenas 14% dos adultos brasileiros conseguiram ingressar nesse nível de ensino. Agora, imagine só passar por todas essas barreiras, mas ter que abandonar os estudos devido a uma gravidez não planejada?
Apesar da decisão de continuar os estudos durante a gravidez depender de diversos fatores externos como, por exemplo, condição financeira e rede de apoio, o governo possui uma lei que dá a chance para que estudantes, sejam elas universitárias ou do ensino básico, mantenham-se estudando: a licença-maternidade.
Na teoria: o que é a Lei nº 6.202?
Criada em 1975, ainda durante o período de Ditadura Militar, essa lei estabelece que estudantes grávidas podem estudar pelo regime de exercícios domiciliares, desde que haja a necessidade comprovada por um atestado médico.
Art. 1º A partir do oitavo mês de gestação e durante três meses a estudante em estado de gravidez ficará assistida pelo regime de exercícios domiciliares instituído pelo Decreto-lei número 1.044, 21 de outubro de 1969.
Parágrafo único. O início e o fim do período em que é permitido o afastamento serão determinados por atestado médico a ser apresentado à direção da escola.
Art. 2º Em casos excepcionais devidamente comprovados mediante atestado médico, poderá ser aumentado o período de repouso, antes e depois do parto.
Parágrafo único. Em qualquer caso, é assegurado às estudantes em estado de gravidez o direito à prestação dos exames finais.
Ainda segundo essa lei, o período de afastamento pode ser estendido por mais meses desde que seja necessário, como, por exemplo, em uma gravidez de risco. O direito às provas finais, independente do estágio da gestação, também é uma garantia prevista.
Na prática: a Lei Nº 6.202 funciona?
Ter a oportunidade por lei de continuar a estudar durante a gravidez pode ser algo louvável pela gestante, porém nem tudo são flores. Em uma breve pesquisa no Google com o termo “licença-maternidade faculdade Reclame Aqui” (o site Reclame Aqui é um portal para que clientes que se sintam lesionados façam reclamações contra empresas sobre atendimento, compra, venda, produtos e serviços), é possível encontrar diversas queixas sobre o não cumprimento da lei em instituições de ensino brasileiras.
Em sua maioria, as reclamações são sobre cobranças indevidas, faltas injustas, o não acatamento do atestado que dá direito à licença, falta de informação nas secretarias das instituições e informações erradas.
Apesar de não ter ido ao Reclame Aqui, em 2014 a estudante de Medicina Veterinária, Ana Luísa Santana Ribeiro Azeredo, passou por uma situação complicada e sentiu-se lesionada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), campus Betim.
Naquele ano, Ana Luísa passou por uma gestação de gêmeos e, por ser uma gravidez de risco, precisou ser afastada durante muitos meses por ordens médicas. Apesar dos atestados, a estudante conseguiu fazer apenas uma matéria a distância, das oito que ela estava matriculada naquele semestre.
Como Ana Luísa era bolsista do Programa Universidade Para Todos (Prouni), o único direito assegurado pelo programa era a ausência justificada por até 90 dias, porém ela ainda tinha que fazer as avaliações das matérias pendentes, algo que ela não pode concluir devido à sua gravidez de risco. Por isso, a única solução encontrada foi trancar essas matérias, o que fez com que a sua graduação fosse postergada.
13.4 - Licença gestante: À estudante gestante é facultado, pelo período de 90 dias, a ausência justificada às aulas. No entanto, permanece a obrigatoriedade de realização de provas, a apresentação de trabalhos em datas especiais, bem como a realização de matrícula. Para os demais procedimentos deverá ser observado o estabelecido na Lei nº 6.202, de 17 de abril de 1975. - Manual do Bolsista do Prouni.
“Quase repeti em todas as matérias, só consegui fazer uma aula a distância e a avaliação depois do nascimento dos gêmeos, mas ela era optativa. Esse professor foi bem prestativo, mas todos os outros nem se interessaram por saber o motivo do meu afastamento”, relembra a médica veterinária.
O que fazer quando desrespeitarem a licença-maternidade?
Entramos em contato com o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp) para saber se eles podem auxiliam de alguma forma alunas que se sentirem lesionadas, mas a resposta foi: “o Semesp como entidade representativa do Ensino Superior, orienta coletivamente o cumprimento da legislação do Ensino Superior, bem como do consumidor e outras normas pertinentes a oferta de curso”.
Segundo o Ministério da Educação (MEC), é muito rara a ocorrência de denúncia relativa a tratamento discriminatório à estudante gestante. Entretanto, quando acontece, o que o Ministério pode fazer é enviar um comunicado questionando o que aconteceu, “mas caso a instituição ignore o comunicado ou não demonstre haver adotado uma conduta de atendimento às condições especiais da aluna não seria possível ao MEC aplicar alguma sanção administrativa em face da IES, pois as normas em vigor não lhe conferem competência para agir nessa situação específica”. Ou seja, o MEC também não pode fazer nada efetivo caso a lei seja violada.
Entretanto, em sua resposta, o Ministério deu duas indicações para quem a aluna pode pedir ajuda: Procon e Ministério Público.
Caso a instituição seja privada, outra opção é recorrer a órgãos de defesa do consumidor como o Procon. Porém, ao entrarmos em contato com a assessoria de imprensa desse órgão, a única orientação dada foi a de: “observando irregularidade com relação ao regime de exercícios domiciliares ou exames finais, para melhor análise e eventuais providências do caso, o consumidor pode procurar o Procon de sua cidade”. Ou seja, para ter alguma resposta efetiva sobre a reclamação, é preciso depender da prestatividade da fundação.
Apesar de ser a última opção apresentada, o Ministério Público pode ser a saída mais viável para uma mãe ou gestante que precise ter os seus direitos atendidos. “A nossa orientação, se a mulher se dirigir ao Ministério Público caso se sinta lesionada, é levar consigo todos os documentos pertinentes para garantir um atendimento eficiente”, informam as advogadas Ana e Marina, do escritório de advocacia Braga e Ruzzi.
Para Thaís Perico, também advogada, apesar de o Ministério Público ser uma boa saída, a melhor opção é contatar a Defensoria Pública ou um advogado particular como uma alternativa mais rápida e eficaz.
“Vemos que há um problema doloroso de falta de informação tanto para a aluna gestante quanto para a instituição de ensino, esta porém, como Pessoa Jurídica, está bem distante dos prejuízos reais que arrebatam sem piedade os projetos estudantis das mães”, evidencia a advogada da sociedade Lima Perico.
A Revista Quero entrou em contato com a PUC Minas, campus Betim, para saber a visão da instituição sobre o ocorrido. Em nota enviada pela assessoria de imprensa, a universidade diz que:
A Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) garante às alunas gestantes o Regime Especial de Estudos previsto nas Normas Acadêmicas. A PUC Minas esclarece, ainda, que o Regime Especial de Estudos pode não alcançar as disciplinas que contenham atividades práticas (laboratoriais e clínicas) e o estágio supervisionado [ que foi ocaso das matérias que Ana Luísa não pode concluir], cuja execução, fora do ambiente acadêmico dotado de infraestrutura, se mostra inviável para o necessário aproveitamento por parte da discente.
Ainda em entrevista, concedida pela Lei de Acesso à Informação, o MEC diz que “vale ressaltar, ainda, que as instituições de ensino têm autonomia para determinar procedimentos próprios, por meio de seu Regimento Interno, respeitando as prescrições estabelecidas em lei que garantem o direito ao Regime Excepcional”.
Existe licença-paternidade estudantil?
Infelizmente, ainda não há nenhuma lei específica que dê o mesmo direito de afastamento do pai após o nascimento da criança. Atualmente, essa lei existe apenas na questão trabalhista, em que o homem tem direito a, no mínimo, cinco dias úteis de afastamento. Ou seja, a própria lei ainda induz que é papel apenas da mãe de criar e cuidar do filho.
Talvez esse seja um reflexo da pesquisa elaborada pelo Ministério da Educação (MEC), a Organização dos Estados Ibero Americanos (OEI) e a Faculdade Latino-Americana de Ciências (Flacso), em que apenas 1,3% dos homens tiveram que deixar os estudos de lado devido a uma gravidez. Se nem a lei acredita que eles têm que dedicar algum tempo exclusivo aos seus filhos, quem irá?
Com isso, consequentemente, é de se esperar que toda a responsabilidade sobre a criança caia sobre a mãe, e com ela, provavelmente, outras obrigações como, por exemplo, ter o compromisso de cuidar de todas as tarefas do lar.
É preciso que toda mãe tenha o apoio do seu parceiro na criação de seus filhos e, caso ele não seja presente, a melhor opção é uma rede de apoio para que a mulher não tenha que renunciar à sua vida pessoal ou ser prejudicada pela chegada no novo serzinho.
Essa rede de apoio nada mais é do que a nova mãe estar cercada por pessoas que podem ajudá-la a passar por essa nova fase, sejam os seus pais, o pai do bebê ou até mesmo vizinhos e amigos próximos. Com isso, a experiência da maternidade transforma-se em algo muito mais agradável
Porém, com a ausência de uma licença-paternidade, seja ela para universitários ou um prazo maior para pais que também trabalham, um dos maiores pilares dessa rede é retirado.
“A lei é claramente obsoleta, posto que os cuidados para com os filhos devem ser proporcionais entre mães e pais. Eu mesma, Thaís, fui mãe universitária, aos 21 anos, e tendo meu filho nascido no começo do mês de julho, contei com as férias e sequer formulei requerimento para concessão de licença-maternidade, por receio de perder as aulas e o último semestre que faltava para minha formação. Contei com o apoio dos avós e do pai para ir à universidade e conquistar a diplomação. Isso precisa mudar”, reforça a advogada Thaís Perico.
Se a licença-maternidade existe, todas as mulheres têm direito a ela
Em todos os casos, é preciso que a mulher saiba que a lei nº 6.202 existe e deve ser cumprida. Apesar de não ser obrigação da instituição, caso a universidade não informe os direitos da gestante grávida, desde 2011, o Ministério da Saúde distribui em todo o território nacional a caderneta da gestante e, além do cartão de acompanhamento das consultas de pré-natal, essa carteira possui orientações sobre os direitos das mulheres antes e depois do parto. “Dentre os direitos elencados na caderneta, é mencionada a Lei 6.202/75 e o Decreto-Lei nº 1.044/69”, informa nota enviada pelo ministério.
“Como solução de conflitos, sugerimos às mães que garantam não apenas o direito à licença-maternidade, conforme previsão legal, mas que acordem com os professores, de maneira informal, que haja apoio, acesso aos conteúdos ministrados em sala de aula, que se unam entre amigos a fim de que possam copiar as anotações e não se distanciem da realidade estudantil, na medida do possível, claro, levando sempre em consideração todas as peculiaridades que o estado pós-parto se apresenta na vida de cada mãe”, finaliza Thaís.
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