Desde que o decreto Nº 9.057 que amplia a oferta de ensino a distância (EaD) e o reconhece como uma modalidade de ensino foi publicado, o número de matrículas e de cursos EaD no país têm registrado um crescimento significativo.
De acordo com o Mapa do Ensino Superior no Brasil 2020, feito pelo Instituto Semesp, entre 2009 e 2018, as matrículas nessa modalidade aumentaram 145%. Entre 2017 e 2018, o aumento foi de aproximadamente 17%.
Ao analisar o perfil dos estudantes do EaD, em sua maioria matriculados em Instituições de Ensino Superior (IES) privadas, o estudo apontou que como as mensalidades tendem a ser mais baratas por conta da redução de custos para produzir o conteúdo virtual, a modalidade facilita o acesso de pessoas com renda mais baixa ao Ensino Superior.
De acordo com o Prof. Dr. Fernando Coelho, que já foi coordenador do curso de Gestão de Políticas Públicas e atualmente leciona no curso de Administração Pública da Universidade de São Paulo (USP), na última década “houve uma forte expansão da educação superior a distância, com o uso do EaD inclusive nas universidades públicas. A gente viu a importância desses programas para interiorizar a formação acadêmica sobretudo para ela chegar a pessoas que jamais teriam a oportunidade de ir para uma universidade cursar o curso presencial”, contextualiza.
Para Ricardo Holz, membro da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED), a flexibilidade oferecida no ensino a distância também é um fator fundamental na escolha de pessoas que trabalham e possuem menos tempo para dedicar aos estudos.
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De acordo com o Instituto Semesp, é justamente esse o perfil do aluno da modalidade EaD: um público mais velho que não teve opção de fazer uma graduação anteriormente e que normalmente trabalha para pagar as mensalidades do curso.
Com a pandemia do coronavírus e a necessidade do distanciamento social, no entanto, o ensino a distância deixou de ser uma opção e passou a ser uma realidade dos universitários brasileiros.
Além de evidenciar a importância das tecnologias no processo de ensino e aprendizagem, o contexto atual também revelou desconhecimento por parte da população acerca do que é, de fato, o EaD.
Preconceito velado
"Será que o mercado vai aceitar? Será que eu vou aprender? Será que eu me adapto a isso?", são algumas das perguntas que Holtz ouve de colegas de trabalho ou pessoas com as quais se relaciona. Segundo ele, “essas perguntas ainda permeiam na cabeça de algumas pessoas e aquelas que nunca tiveram experiência com a educação a distância acabam tendo um preconceito”, conta. Na realidade, para o membro da ABED isso ocorre devido à uma percepção errônea sobre a modalidade.
Contudo, o fato de algumas instituições fazerem um trabalho que não é considerado ideal para o EaD também pode intensificar o preconceito com essa opção.
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“Educação a distância é todo um conjunto de atividades. Tem a plataforma, o Ambiente Virtual do Aluno (AVA), tutoria, tem um relacionamento com o aluno, o estímulo para que esse aluno se relacione com outros estudantes através de grupos, de encontros virtuais e aí se não tem toda essa interação, toda essa conexão, não é educação a distância”, explica Holtz.
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Quantidade x Qualidade
O avanço da oferta de cursos de ensino a distância e do número de matrículas nessa modalidade é extremamente importante para o avanço do Ensino Superior. Mas também é importante estar atento à qualidade com que essas graduações são disponibilizadas.
Holtz conta que até o surgimento da pandemia, quando o ensino remoto deixou de ser uma escolha, o ensino a distância era ignorado por parte do setor público.
Com a necessidade de debater o funcionamento dessa modalidade, o Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Conai), do qual ele faz parte, passou a criar grupos de trabalho para discutir indicadores de qualidade da educação a distância.
O membro da ABED também dá destaque para a importância do desenvolvimento de uma regulação eficiente por parte do poder público, com regras eficientes e específicas para a educação a distância. “Porque aí nós vamos fazer com que quem faz bem tenha liberdade de continuar fazendo bem e quem não faz bem entenda que existem órgãos públicos para poder permitir que se tenha um mínimo de qualidade garantido pro estudante por essa modalidade”, acrescenta.
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O outro lado da moeda
O ensino na modalidade a distância acontece por meio do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). Como o próprio nome já diz, o acesso à essa plataforma acontece de forma on-line.
Embora o ensino a distância tenha facilitado o acesso ao Ensino Superior, não se pode ignorar o fato de que aproximadamente um quarto da população brasileira não possui conexão com a internet, o equivalente a 47 milhões de pessoas, de acordo com a pesquisa TIC Domicílios 2019, feito pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic).
Para Daniela Costa, coordenadora da pesquisa TIC Educação, também realizada pelo Cetic, é preciso levar em consideração que muitas dessas pessoas acessam à internet pelo celular, o que não é muito efetivo pois “às vezes, as pessoas têm acesso via planos de dados não acessam a web, a internet, acessam só os aplicativos, os serviços que o plano de dados delas permite. Mas isso não permite que elas acessem, por exemplo, o site de uma instituição de ensino para fazer educação a distância”, esclarece.
A coordenadora também chama a atenção para o fato de que muitos dispositivos são antigos, o que dificulta o download de aplicativos ou o acesso à vídeos ou videoconferências, comuns na modalidade EaD.
“Em comunidades de baixa renda a internet ainda é um luxo. Por isso que eles migram para o celular, que é mais acessível para eles”, conta.
Uma das causas para a desconexão por parte da população está no preço cobrado pelo serviço, considerado elevado e a falta de disponibilidade em alguns locais contribui para os altos valores. Além disso, muitas operadoras não possuem interesse em atuar em atender determinadas regiões.
“Um outro ponto também é a questão dessas áreas mais isoladas. Porque aí nessas áreas rurais, por exemplo, você tem o atendimento de pequenos provedores, que são essenciais para fazer a inclusão digital no país. Só que eles sofrem com diversos problemas porque são pequenos perto das grandes operadoras, dos grandes provedores. Então eles têm dificuldades para financiamento, para aumentar a capacidade de oferta de acesso, ou, também, para investir em infraestrutura”, informa Costa.
Para corrigir esse problema, de acordo com o professor de Administração Pública, é necessário “se trabalhar uma política de precificação via processo de competição ou via subsídio governamental, com clareza de onde estão os grandes bolsões de exclusão digital”, argumenta Coelho.
Outra alternativa apresentada pelo professor é a utilização de programas como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o Programa Universidade para Todos (Prouni). “eles já podem possibilitar ao aluno indicar se tem acesso à equipamentos e à internet para poder cursar uma educação a distância. Pode-se muitas vezes incluir dentro desses processos de financiamento da educação superior, um valor que vai ser destinado à essa inclusão digital, quando o próprio aluno não tem recursos financeiros para tal”, ressalta.
Antes que medidas sejam tomadas, porém, o professor destaca a importância de um diagnóstico feito pelo Ministério da Educação (MEC), com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e o Conselho Nacional de Educação (CNE) para identificar quem são as pessoas de baixa renda sem acesso à internet.
A coordenadora da TIC Educação acrescenta, ainda, a importância de um incentivo por parte de órgãos públicos para que os pequenos provedores tenham a infraestrutura necessária para ampliar e melhorar a qualidade de acesso. “Se as pessoas têm um acesso irrestrito, elas têm a oportunidade de conhecer outros aplicativos, outros sites, de conhecer a internet como ela é e as oportunidades que ela traz”, declara.
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Outras formas de facilitar o acesso ao Ensino Superior
De acordo com o professor de Administração Pública, Fernando Coelho, essa questão exige um olhar territorializado para compreender quais são as regiões com taxa média de acesso menor do que a média para identificar quais políticas específicas devem ser desenvolvidas.
“Quais condições faltam? É financiamento? É estímulo ao aluno? Enfim, precisamos ter um olhar muito mais territorializado do acesso ao Ensino Superior. Entender o problema a partir desses cortes regionais e ter as ações dentro de cada território. Além de pensar na complementaridade dos recursos que você tem a disposição”, argumenta.