Primeiro preso a conseguir diploma superior na cadeia ganha bolsa e irá cursar pós graduação em Psicopedagogia
Pouco menos de dois anos depois de se tornar o primeiro preso de São Paulo a conseguir um diploma de curso superior dentro da cadeia, o pedagogo Venílton Leonardo Vinci, 57, está pronto para fazer história novamente. Ele já conseguiu uma bolsa de estudos integral do Centro Universitário Claretiano, de Batatais (SP), e será, no segundo semestre, o primeiro preso de São Paulo a iniciar uma pós-graduação atrás dos muros de uma penitenciária.
Hoje interno no CPP (Centro de Progressão Penitenciária) de Jardinópolis, Venílton, além da bolsa, já recebeu autorização para ir até faculdade acompanhar os encontros presenciais, que devem ser quinzenais. O resto das matérias fará na modalidade Ensino a Distância, em um espaço dentro da própria penitenciária. “Já estou me preparando e estou muito empolgado. É uma ansiedade muito grande, mas quero estar preparado”, conta.
Assim como a graduação, a pós de Venílton será possível por conta de um projeto desenvolvido pela Claretiano, que concede, desde 2010, bolsas de estudos para presos paulistas. Atualmente, são quatro detentos beneficiados, além de Venílton, o único, por enquanto, com bolsa de pós.
“Resolvemos apostar na oportunidade de ressocialização das pessoas tornando-as cidadãos de bem e pelo compromisso social da instituição”, Evandro Luís Ribeiro, coordenador-geral de Educação a Distância do Centro Universitário.
Segundo Ribeiro, o programa é destinado a sentenciados que desenvolvem atividades na unidade escolar do presídio e os selecionados devem exercer algum tipo de atividade remunerada na unidade para poder custear as suas mensalidades. A Claretiano banca 50% da bolsa e o detento, os outros 50%.
Em valores atuais, o detento tem que pagar, em média, R$ 250 pelo curso superior. “Há uma prévia seleção por parte da diretoria de educação da unidade e ela se completa pela aprovação no processo seletivo de ingresso no curso. Não é um programa oferecido de modo aleatório”, conta o coordenador de EaD do Claretiano.
ÁREA
O curso de Venílton será na área de Psicopedagogia e ele também já sabe como pretende aplicar os conhecimentos. “Quero me especializar no ensino de pessoas com dislexia. É fascinante entender a forma como essas pessoas podem aprender. Se não tiverem acompanhamento adequado, elas desperdiçam todo o potencial”, observa.
Ribeiro conta ainda que, embora os detentos tenham livre opção sobre o curso que irão escolher, eles devem se restringir à alguma área do magistério. “A opção prioritária é por curso na área de formação de professores para poderem atuar como monitores na escola da unidade”.
HISTÓRICO
Com um histórico de passagens pela polícia que se iniciou quando ele era menor de idade e resultou na primeira prisão em 1979, Venílton já cumpriu pena por roubo, furto, receptação, tráfico de drogas. Em 2005, saiu do sistema prisional após cumprir a pena da primeira sentença, mas, ao sair, acabou reincidindo e foi condenado a 30 anos de prisão por homicídio qualificado em 2007.
Paradoxalmente, essa segunda passagem pela cadeia que iniciou o que o condenado chama de “redenção”. Com uma pena de 30 anos para cumprir, Venílton acabou na cadeia de Serra Azul. Lá, teve a oportunidade de voltar a estudar. “Minha meta era diminuir minha pena e concluir o Ensino Médio. Não imaginava nada mais que isso”, conta ele. A cada 12 horas de estudo, o preso pode descontar um dia da pena que tem a cumprir.
Mas o gosto pelo estudo acabou falando mais alto e, em 2009, depois de já ter concluído o Ensino Médio, ele acabou conseguindo a chance de ser monitor educacional e auxiliar outros presos no aprendizado. Contratado pela Funap (Fundação de Auxílio ao Preso), passou a receber pelo trabalho de alfabetizar colegas de prisão. “Além disso, esse trabalho também diminuiu minha pena. Para cada três dias trabalhados, eu descontei um de pena”, lembra ele, que chegou a aprender braile para ensinar um detento cego a ler e escrever.
CAMINHO
Maravilhado com o dom de ensinar, Venílton se informou sobre um projeto que permitia que detentos do regime fechado fizessem, por meio do Ensino a Distância, vestibular para cursos da área de educação no Centro Universitário Claretiano, em Batatais. “Eu prestei a seleção em 2010 e passei. Consegui uma bolsa de 50% e pagava, com o dinheiro que recebia da Funap, a outra metade”, conta.
Um sistema foi desenvolvido para que Venílton Vinci pudesse acessar, pela internet e de forma restrita, os conteúdos. “O mérito é todo dele. Nós só fornecemos os instrumentos. No nosso programa, todos os selecionados devem exercer algum tipo de atividade remunerada na unidade para poder custear as suas mensalidades. Não é um programa oferecido de modo aleatório a todos os detentos. Todos os interessados devem ter uma aprovação interna antes de ingressarem na instituição”, explica o coordenador de EaD do Grupo Claretiano.
Após cinco anos de dedicação, a colação de grau ocorreu em 3 de setembro de 2015, em cerimônia realizada dentro da Penitenciária 1 de Serra Azul, presídio de segurança máxima no qual Vinci era interno. Mas, longe de ser o fim, a graduação de Venílton mostrou-se só o começo de uma história que ainda está sendo escrita.
“A Educação salvou a minha vida. E não quero ser o único a ser salvo. Sei que sou um exemplo, sou um exemplo vivo de que quem consegue acreditar em si mesmo consegue vencer, consegue melhorar. Quero levar isso para outras pessoas, é a missão que escolhi”, conta.
PÓS
O bom desempenho de Venílton nos estudos fez com que o Centro Universitário Claretiano oferecesse a ele uma bolsa para uma pós-graduação em Pedagogia, também pelo sistema de Ensino a Distância. O único empecilho, porém, era a necessidade de algumas saídas da prisão para o estabelecimento de ensino, o que não era possível no regime fechado.
Paciente, Venílton esperou que saísse a progressão de regime para o semiaberto, o que ocorreu em 2016. Mas acabou adiando o início dos estudos para realizar um sonho: comandar uma classe e dar aulas para uma turma de alunos adultos e que estavam em processo de alfabetização. Logo que foi transferido para o CPP de Jardinópolis, onde ficam presos do semiaberto, Venílton conseguiu fazer inscrição como professor eventual na escola da rede estadual que ministra as aulas para os presos da unidade e passou a ser convocado para substituir os profissionais em caso de faltas. Ao lembrar a época, emociona-se novamente.
“O maior salário que já recebi na vida foi ensinar um colega de prisão a ler e a escrever. Depois, ele me contou que escreveu uma carta para a mãe dele e chorou. Chorei junto”, conta Venílton.
Enquanto trabalhava como professor eventual, um dos professores da rede estadual teve que tirar uma licença e ele acabou assumindo, por um semestre, a responsabilidade pela sala de aula que funciona dentro da penitenciária. “Ele foi um excelente professor, teve resultados maravilhosos. Foi um verdadeiro mestre”, conta Ana Carolina Cordeiro, diretora-técnica responsável pela área de Educação do CPP e uma das tutoras de Venílton.
Terminado o trabalho, Venílton decidiu que era a hora de focar na pós-graduação. Pediu para trabalhar no setor de carpintaria da prisão e, com isso, abriu espaço para fazer as leituras preparatórias para a especialização. Em sua rotina, além das leituras da área da educação, está o trabalho diário, das 7h às 17h, em reparos gerais na própria unidade. “Além da profissão de educador, também sei fazer móveis, armários, tudo isso. Gosto muito, distraio a cabeça”, conta.