Lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive na engenharia. De acordo com dados do Censo da Educação Superior 2017 levantados pelo Quero Bolsa, o sexo feminino é maioria em, pelo menos, seis cursos da área, considerando o percentual de ingresso.
Para obter os resultados, foram desconsiderados os cursos com menos de cem ingressantes no total, resultando assim em uma amostra com 58 cursos de engenharia.
Segundo a diretora e primeira mulher a assumir o cargo máximo da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), Liedi Légi Bariani Bernucci, foi possível identificar um aumento de mulheres nas salas de aula das engenharias nos últimos anos:
Essa é uma tendência natural de resposta do gênero feminino em busca da igualdade nas profissões. A cultura do país está evoluindo e passando a aceitar as mulheres em áreas consideradas mais masculinas. Como elas estão mais participativas nas atividades econômicas, isso começa a despontar para a geração mais jovem e, consequentemente, aparecem mais meninas ingressando em cursos de ciências, tecnologia e engenharia.
Apesar de o cenário de mulheres na engenharia ter começado a mudar, Liedi afirmou que isso só vem acontecendo por conta da evolução da cultura e que não há um movimento forte de política pública para aumentar a participação feminina nesse campo.
Lívia Bueno Reis, 22 anos, formada em Engenharia de Petróleo na USP, também notou que o número de meninas no seu curso costuma ser mais alto, porém a evasão é elevada. “A maioria transferia para outras engenharias e a predominância masculina passava a ser bem expressiva. Fiz várias disciplinas em que eu era a única mulher”, comentou.
Carreiras tradicionais
Embora as mulheres ainda não sejam maioria em cursos tradicionais da área, como Engenharia Civil e Engenharia de Produção, o número de ingressantes aumentou significativamente.
Em 2010, Engenharia Civil não fazia parte da lista dos 20 cursos com maior ingresso de mulheres em 2010. Entretanto, no último Censo, de 2017, o curso alcançou a 14ª posição, com 27,7% de presença feminina. Além disso, em valores absolutos, o número de ingressantes meninas no curso quase triplicou, passando de 10.778 para 26.503. No caso de Engenharia de Produção, o percentual de mulheres já passou dos 30%.
Conforme os dados encontrados no levantamento, os cursos com menos ingressantes do sexo feminino em 2017 foram Engenharia de Controle e Automação (12,1%), Engenharia Elétrica (11,7%), Engenharia de Software (11,6%), Engenharia Mecânica (9,8%) e Engenharia Automotiva (5,8%).
Ainda que esses sejam os cursos menos procurados pelas mulheres, todos os citados, exceto Engenharia Automotiva e Engenharia de Software, tiveram crescimento percentual no número de ingressantes meninas.
Curso
% de mulheres ingressantes em 2010
% de mulheres ingressantes em 2017
Engenharia de Controle e Automação
10,8%
12,1%
Engenharia Elétrica
11,5%
11,7%
Engenharia de Software
12%
11,6%
Engenharia Mecânica
9,2%
9,8%
Engenharia Automotiva
16,5%
5,8%
Engenharia Mecânica e Engenharia Elétrica, ambos cursos com alto número de ingressos, apontaram em números absolutos o dobro de ingressantes do sexo feminino, em comparação a 2010. Engenharia Mecânica passou de 1.769 para 3.773 e Engenharia Elétrica de 1.907 para 3.810.
Para Lívia, o incentivo desde criança é muito importante para que cada vez mais mulheres optem por esses cursos. “Percebo que os meninos são muito mais incentivados a serem engenheiros do que as meninas. Infelizmente ainda é uma profissão associada ao sexo masculino, por este motivo é essencial que isso seja quebrado. Não existe profissão de menino e profissão de menina, não há uma tendência biológica para isso. As opções de carreira são muitas e são para todos”, falou.
Alessa Oliveira Alves, 24 anos, estudante do último período de Engenheira Química da Universidade Federal de São João del-Rei, concordou com as considerações de Lívia: “Desde pequenas somos levadas a acreditar, com brinquedos ou brincadeiras que essas áreas não são feitas para mulheres. Esse cenário está se alterando, mas além de uma mudança de postura, é preciso apresentar essas profissões as alunas quando mais jovens, mostrar que é possível ser feliz fazendo o que gosta, mesmo se aquilo não seguir os padrões”.
Episódios de machismo, preconceito e desigualdade de oportunidades ainda são vivenciados nos cursos de engenharia.
Lívia contou que, quando ainda estudava, sua sala recebeu por e-mail um anúncio de vaga de estágio em Engenharia de Petróleo e um dos pré-requisitos era ser do sexo masculino. “Os alunos começaram a entrar em contato com a empresa, até que voltaram atrás e enviaram um novo anúncio retirando esse quesito. Era uma situação que nunca deveria ocorrer”, disse.
Alessa também relatou casos de discriminação enfrentados: “Já vi professores falando que alunas não chegariam longe se não andassem com as unhas arrumadas. Já vi alunos que não aceitavam que alunas tivessem melhor desempenho que eles”.
Embora não tenha passado por situações constrangedoras durante o curso, Jéssica Machado, 23 anos, estudante do quarto ano de Engenharia Civil da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, contou não ser apoiada por sua mãe ao escolher esse curso. “Meu pai sempre me apoiou, mas minha mãe preferia que eu optasse por algo mais feminino, ou que ficasse em casa para ajudar com as tarefas diárias”.
Liedi entrou para a Poli-USP em 1977 e presenciou episódios de preconceito pelos professores: “tinha professor que contava quantas mulheres tinha na sala de aula e falava que era tantas vagas perdidas”. Apesar desses obstáculos, ela reflete que a diferença daquela época para hoje é que agora as mulheres relatam, falam sobre esse assunto. “Antigamente não tinha nem para quem denunciar.”
Mulheres engenheiras
Jéssica Machado, 23 anos, São Paulo. Estudante de Engenharia Civil.
“Eu sempre gostei da área de exatas e de desenhar casas e prédios quando criança. Meus avós eram engenheiros e eu adorava ouvir as histórias sobre as obras que eles faziam. Fazer Engenharia Civil é um sonho realizado. É importante que as mulheres se valorizem, mostrem que temos conhecimento igual e, às vezes, até superior que ao dos homens da área.”
Lívia Bueno Reis, 22 anos, Santos-SP. Formada em Engenharia de Petróleo, recebeu quatro premiações por seu desempenho durante o curso: 1º lugar no Prêmio Conde Armando Álvares Penteado, oferecido aos formados classificados nos três primeiros lugares dos cursos de graduação da Poli-USP, o Prêmio Francisco de Paula Ramos de Azevedo, conferido ao aluno que se destacou nos três últimos anos do curso, e os prêmios “Instituto de Engenharia” e “CREA-SP”, oferecido aos melhores formados nos cursos de graduação da Escola.
“O curso de engenharia é extremamente desafiador. Para as mulheres que querem seguir a carreira, aconselho e peço para que sejam corajosas e enfrentem este desafio, para que a presença feminina e a busca por respeito e igualdade quebrem os paradigmas de que engenharia não é lugar para mulheres.”
Alessa Oliveira Alves, 24 anos, Ouro Branco - MG. Estudante de Engenharia Química.
“Acreditem em vocês mesmas e sejam firmes. Informem-se e empoderem-se, vocês não estão sozinhas. No fim vai ser gratificante trabalhar com o que você ama, exigindo o respeito e o reconhecimento que você construiu.”
Liedi Légi Bariani Bernucci, primeira mulher a assumir o cargo de diretora da Poli-USP.
“Tenho um desafio dobrado ao exercer essa função. Fazer uma boa gestão e ter uma conduta exemplar de mostrar que as mulheres podem ascender a cargos mais altos e ser um exemplo para as jovens, alunas e professoras.”
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