A pandemia do novo coronavírus trouxe à tona outro tipo de surto que preocupa as autoridades da saúde: a infodemia ou a pandemia de desinformação. Citado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o termo diz respeito ao excesso de informações sobre a Covid-19 que circulam pelas redes sociais.
Essa chuva de informações, muitas vezes falsas e incorretas, pode piorar a pandemia, já que dificulta a busca por orientações corretas e confiáveis sobre a doença e influencia a tomada de decisões baseadas em fontes não oficiais.
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Com uma breve pesquisa na internet, é possível encontrar milhares de informações e teorias sem embasamento científico que desacreditam da pandemia de Covid-19 ou especulam sobre sua origem, gravidade, propagação, prevenção e tratamento.
O que é negacionismo?
O movimento de negar a existência do novo coronavírus, duvidar das medidas de prevenção ou desconfiar da qualidade das vacinas - ainda em fase de testes - faz parte do chamado negacionismo.
O negacionismo, ou anticientificismo, é a prática de negar ou se recusar a aceitar uma realidade comprovada cientificamente, isto é, pelo método científico. “O negacionismo refuta toda e qualquer verdade verificável de forma empírica pela ciência, ele nega o método científico como um método válido e recusa as conclusões científicas. Tudo isso é negado como forma de se criar quase que uma realidade paralela”, completa Fernando Caiafa, professor de História do Poliedro.
O professor explica que a expressão surgiu no século XIX, mas se difundiu a partir da segunda metade do século XX, quando se tentou negar a existência do holocausto durante a Segunda Guerra Mundial.
Além do negacionismo do holocausto, existe também o negacionismo da Aids, que contesta a existência do vírus HIV, o negacionismo climático, que não acredita no fenômeno do aquecimento global, o negacionismo da Covid-19, dentre outros.
Em geral, o negacionismo ocorre quando as descobertas científicas não agradam determinados grupos políticos, religiosos ou econômicos e tende a se fortalecer em momentos de crise e instabilidade. Na Psicologia, o negacionismo é entendido como um mecanismo defesa e escapismo de uma realidade incômoda.
A ciência é negada desde os tempos antigos
Apesar do termo ser relativamente recente, o fenômeno do negacionismo não é novidade na história. Desde os tempos antigos, diversos filósofos e matemáticos foram julgados por romper com as explicações míticas e buscar embasamentos empíricos para os fenômenos naturais. Foi o caso do filósofo Sócrates, condenado à morte por corromper a juventude e perturbar a ordem vigente.
Mais tarde, na Idade Média, filósofos e cientistas foram reprimidos, perseguidos e condenados pelo Tribunal da Santa Inquisição da Igreja Católica. A instituição puniu personalidades como o físico Galileu Galilei, condenado à prisão domiciliar por defender a teoria heliocêntrica, e o filósofo Giordano Bruno, queimado vivo por também defender o heliocentrismo e outras teorias consideradas hereges.
No século XVII, a ciência dá um passo à frente com a criação do método científico, utilizado até hoje. O método científico é um conjunto de procedimentos aplicados para comprovar a veracidade de algum processo, estudo, lei, ideia ou tese científica.
Por meio do método científico, os cientistas podem obter conclusões confiáveis. Mas, isso não quer dizer que a ciência é absoluta e não possa ser questionada. Pelo contrário, são as dúvidas que movem as investigações científicas e permitem que a ciência evolua.
Falta de confiança na ciência
Ainda hoje, mesmo com tantos avanços já feitos pelo ciência, o Brasil ainda é um país que pouco confia nos cientistas. É o que mostrou um estudo do centro de pesquisas Pew Research Center, publicado em setembro deste ano. Dos 20 países pesquisados, o Brasil foi o que menos acredita nos cientistas, 36% dos entrevistados disseram confiar pouco ou nada neles e apenas 23% confia muito nos cientistas.
Quando questionados sobre a ciência do Brasil, a confiança é ainda menor: somente 8% disseram acreditar nas realizações científicas nacionais, sendo que a média geral da pesquisa é de 42%.
Movimento antivacina, negacionismo ambiental e terraplanismo
Nesse cenário de desconfiança e crise, ideias sem comprovação científica ou já refutadas pela ciência ganham força, principalmente por meio da internet e das redes sociais.
“No século XXI, a perspectiva negacionista que já existia ganha um alcance muito maior pelas redes sociais. O negacionismo acaba ganhando ares de verdade, porque as pessoas vão encontrar na internet toda uma produção negacionista”, enfatiza o professor Fernando.
Em meio a pandemia, uma das ideias negacionistas que mais preocupam as autoridades é o movimento antivacina, cujos adeptos decidiram não se vacinar nem imunizar seus filhos por medo dos efeitos negativos que as vacinas poderiam causar.
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O crescimento desse movimento se tornou um problema de saúde pública. Isso porque, com a queda da cobertura vacinal nos últimos anos, doenças que já haviam sido erradicadas voltaram a aparecer, como o sarampo e a poliomielite. Além disso, as crenças sem fundamento científico do movimento podem influenciar na adesão da vacina contra a Covid-19.
No Brasil, outro negacionismo bastante comentado nos últimos meses foi o relacionado aos problemas ambientais do país. Em meio ao desmatamento desenfreado na Amazônia e o aumento dos focos de queimada na floresta e no Pantanal, diversas informações falsas e até mesmo autoridades do próprio governo tentaram desmentir as informações de órgãos oficiais e diminuir a gravidade ou negar a veracidade dos desmatamentos e das queimadas.
Outra antiga teoria pseudocientífica conhecida nas redes sociais é o terraplanismo. Mesmo que o formato redondo do planeta Terra já tenha sido constatado há mais de 500 anos, milhares de pessoas ainda defendem que a Terra seria plana e ainda contrariam outros teorias como a do heliocentrismo, do big bang e da gravidade.
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Fake news e desvalorização da ciência
A valorização da ciência no Brasil é imprescindível para o combate ao anticientificismo e a falta de confiança na ciência no país. Mas, nos últimos anos, o governo brasileiro seguiu pelo caminho contrário, cortando verbas destinadas ao incentivo da pesquisa e produção científica nas universidades públicas.
A maior parte das crenças antificienticistas que circula na internet hoje em dia não passam de notícias falsas - as conhecidas fake news. Além disso, muitos negacionistas acreditam num complô entre os governos e organizações para controlar a população mundial e, assim, desacreditam das fontes oficiais, contribuindo para a desinformação.
As fake news podem parecer inofensivas mas ameaçam a democracia e até a saúde pública, no caso de informações falsas relacionadas à pandemia. Por isso, tem se visto cada vez mais propagandas que orientam a checagem da veracidade de notícias duvidosas e o compartilhamento consciente nas redes sociais.
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No contexto das redes sociais, o professor Fernando ainda destaca a ação dos algoritmos que criam uma bolha de informações de acordo com a preferência de cada usuário. “Dentro dessa bolha, as informações vão corroborar com aquilo que você está querendo acreditar, por mais absurdo que seja. Isso é perigoso porque cria um grupo significativo de pessoas que defende os mais diferentes absurdos”, afirma.
Para o professor, a problemática faz parte da democratização do acesso à informação e não cabe como solução tentar controlar ou censurar o acesso à informação, mas sim instrumentalizar as pessoas para terem capacidade crítica para filtrar as informações e fazer bom uso delas.
Pode cair na redação do Enem?
Na opinião da professora de Redação do Poliedro, Gabrielle Cavalin, o tema negacionismo não deve aparecer na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) por não ser um problema social em si.
“O Enem tem uma trajetória de temas que estão muito relacionados ao problema da realidade brasileira, algo que já seja previsto em lei, como um direito constitucional do cidadão que na prática não é cumprido ou mesmo algum tipo de problema que a sociedade já entendeu como problema e portanto já prevê medidas para resolver”, justifica.
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Mas, o temática ainda pode ser muito útil para a argumentação de outros temas, como a questão da vacinação. “O aluno poderia mobilizar o negacionismo para justificar a origem ou a causa da causa da queda da cobertura vacinal”, exemplifica.
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