Um estudo realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em conjunto com as universidades estadunidenses Columbia e Hopkins, revela que 25% das crianças com idades entre quatro e cinco anos apresentam algum desequilíbrio emocional, que pode incluir sintomas como: ansiedade, oscilações de humor, timidez excessiva, choro fácil e dificuldades de relacionamento com outras crianças e adultos.
A pesquisa, publicada em agosto na Brazilian Journal of Psychiatry, foi conduzida em 2016 e acompanhou 1.292 alunos de 30 escolas da rede pública de ensino de Embu das Artes, município localizado na grande São Paulo. Os dados encontrados são similares aos de países de baixa renda, como Sri Lanka e Peru, mas estão acima da média de 15% de países economicamente mais desenvolvidos, como Estados Unidos e Lituânia.
+ Como os problemas de aprendizagem influenciam o desempenho escolar
Segundo a coordenadora do trabalho, a professora Sheila Cavalcante Caetano, essa diferença está relacionada à “presença de programas específicos de ensino e prevenção para lidar com o desenvolvimento emocional”, que no Brasil, é quase inexistente.
Além dos aspectos socioeconômicos, o estudo observou que a maior associação entre a criança ter ou não problemas emocionais, comportamentais e atrasos de desenvolvimento, se dá com o bem-estar da família. Ambientes familiares tumultuados e estressantes podem gerar danos à saúde mental da criança, assim como a ausência de uma rede de suporte juntamente com a exposição à violência e à criminalidade.
A psicóloga e consultora pedagógica do Laboratório Inteligência de Vida, empresa que desenvolve projetos de educação emocional junto às instituições de ensino, Juliana Hampshire, comenta que as crianças em situação de risco possuem um acesso restrito a diversos recursos que auxiliam no equilíbrio emocional, seja em casa, na escola, ou na comunidade.
“Ela [a criança] tem uma urgência de vida que é comer, garantir a sobrevivência e se proteger da violência”, explica. “Quando essa criança vai para a escola, a sala de aula está lotada e a professora está completamente sobrecarregada, e aí ela não vai receber o investimento que se espera da educação.”
Para Hampshire, esses problemas estão relacionados a nossa própria cultura, em valorizar e garantir espaços de pleno desenvolvimento para as crianças e os adolescentes.
As consequências do desequilíbrio emocional no desenvolvimento infantil
Ser emocionalmente equilibrado está relacionado à capacidade de identificar os próprios sentimentos, de se relacionar com os outros e de solucionar problemas. Quando a criança está desequilibrada, essa alteração pode gerar consequências para a sua saúde e o seu desenvolvimento.
Dentre as 1292 crianças que participaram da pesquisa, 89% apresentaram comportamento agressivo e 88% demonstraram dificuldades de concentração. Caetano cita que, no ambiente escolar, esses sintomas podem dificultar a criação de laços afetivos e afetar o desempenho acadêmico.
“A criança que frente a uma prova de 10 questões e tem uma pergunta que ela não sabe responder, se ela fica nervosa e rasga a prova, ela já perdeu a prova inteira. A criança que chora e fica paralisada e não consegue ir adiante, também se prejudicou muito. O socioemocional é dizer ‘Nossa, estou muito chateada com essa questão que eu não consigo resolver, mas eu consigo resolver as outras nove.’’, explica.
A psicóloga Hampshire adiciona que a criança que não sabe lidar com as próprias emoções é menos propensa a se arriscar, a ser criativa e a pedir ajuda para o professor. Essa situação acaba afetando sua autoestima, deixando-a mais insegura e se sentindo desvalorizada.
Educação emocional como ferramenta para formação de indivíduos saudáveis
Ambas as especialistas concordam que é preciso criar programas e políticas públicas que assegurem o desenvolvimento socioemocional das crianças e adolescentes, em todas as esferas.
Programas como o LIV visam trabalhar as emoções e sentimentos no ambiente escolar, através de atividades voltadas para os alunos, familiares e professores. Rodas de conversa, momentos de leitura e trocas de experiência são alguns exercícios que ajudam a estreitar a relação escola-família, “possibilitando que a criança se sinta segura de ser quem ela é nos lugares onde circula'', afirma Hampshire.
Conforme a pesquisa mostra, o contexto familiar no qual a criança se encontra é o principal responsável por seu equilíbrio emocional. Entretanto, Caetano explica que, para isso, é necessário que a cultura do castigo e da punição, ainda muito utilizada por muitos pais, seja substituída por uma forma diferente de educar.
“Tem vários estudos que mostram que se você apanha quando pequeno, depois quando você é adolescente e alguém te empurra e quer brigar, você entende que está tudo bem resolver a briga na porrada”, conta a coordenadora do estudo. “Quando na verdade o que a gente tem que fazer é tirar da parte física e partir para a comunicação de uma maneira não violenta.”
A psiquiatra acredita que a educação emocional, portanto, não deve ser trabalhada apenas com as crianças, mas também com os adultos, visto que muitos receberam uma criação distinta e não tiveram acesso a essas informações.
Algumas dicas que os pais podem implementar na educação em casa, são:
Passar momentos de qualidade com os filhos, brincando, lendo ou realizando alguma atividade física;
Implementar a disciplina positiva e a educação não violenta;
Praticar a escuta empática, buscando entender o que a criança está sentindo e ajudando-a distinguir e nomear os seus sentimentos;
Auxiliar e orientar a criança sobre as melhores maneiras para solucionar os seus problemas.
Os impactos do isolamento social e o que esperar daqui pra frente
Segundo Caetano, grande parte das crianças que apresentaram atraso na motricidade, ou seja, dificuldade em segurar o lápis, pular corda, andar em linha reta e se localizar, eram aquelas que ficavam mais tempo na tela e que também dormiam menos.
A diminuição na prática de atividades físicas e na interação com outras crianças, podem agravar ainda mais a situação, diz a psiquiatra. “Isso vira um ciclo: eu fico mais tempo na tela, eu interajo menos, eu converso menos, eu resolvo menos os meus problemas, eu treino menos as minhas habilidades, então é mais fácil eu ter problemas comportamentais e emocionais”, adiciona.
Apesar da seriedade do problema, a psiquiatra afirma que é possível reverter o atraso psicomotor e socioemocional adquiridos durante a pandemia, mas é preciso que haja um esforço conjunto entre todos os envolvidos no processo de educação da criança.
“Ficou evidente que o papel da escola não é só pedagógico no sentido de ensinar matemática ou português e ciências”, explica. “A escola tem um papel fundamental no desenvolvimento de habilidades de comunicação, socialização, desde pequenininho. Esse desenvolvimento é feito com a assistência da professora, da mãe, do pai e da comunidade.”
Para a especialista, desenvolver a inteligência emocional das crianças gera impactos positivos não só para a vida dela, mas para a sociedade como um todo, pois, “quanto melhor as habilidades de comunicação e de socialização da pessoa, menor a chance de uso de drogas e de acabar no serviço carcerário.”